Sábado, 3 de Março de 2007

Cláudia Pazos Alonso fala de Lídia Jorge

Esclarecimento...

Encontrámos, quase por acaso, um excelente artigo da Drª Cláudia Pazos Alonso (professora na Universidade de Oxford - UK - Departamento "Medieval and Modern Languages and Literatures")  sobre a obra de Lídia Jorge.

Contactamos por e-mail a autora, solicitando autorização para a transcrição deste artigo publicado no jornal escolar "Preto no Branco" da Esc. Sec. João de Deus.

Foi esta a resposta que recebemos:

Prezado José Paulo

Parabéns pela inciativa!
Com todo o gosto dou a minha autorizacao. Confesso que na verdade nem sabia que tal artigo se encontrava publicado no jornal "Preto e Branco" , pois inicialmente foi escrito para o sítio do Instituto Camoes...pelo que se for possivel vir o link ao IC, acho que seria mais correcto.
Cordialmente
Claudia

Recebido por E-Mail a 12 de Fevereiro de 2007

Fomos verificar no Instituto Camões, mas não encontrámos nenhuma referência ao artigo em questão. Assim, e para que todos possam aproveitar do execelente trabalho da Drª Cláudia Pazos Alonso, e com a devida vénia, transcrevemos na íntegra:

 


 

Lídia Guerreiro Jorge nasceu a 18 de Junho de 1946, em Boliqueime, no Algarve, província essa que mais tarde serviria de cenário para os seus dois primeiros romances.
Em 1964, após completar os estudos secundários, mudou-se para Lisboa e licenciou-se em Literaturas Românicas na Universidade de Lisboa.
Seguiram-se duas estadias em África, primeiro em Angola, entre 1969 e 1970, e mais tarde em Moçambique, entre 1972 e 1974, antes de se estabelecer definitivamente na capital.
Lídia Jorge enveredou pela carreira de professora do ensino secundário, mas encara a escrita como a sua verdadeira vocação, facto esse sobejamente confirmado pela publicação de dez obras de fôlego no espaço de vinte anos. Embora cada novo livro seja indubitavelmente diferente do anterior, Lídia Jorge tem-se mantido profundamente ligada à ideia do empenhamento social do escritor e ao seu papel de testemunha. Deste modo, as suas obras abordam temas relacionados com a história, a memória e a identidade (quer pessoal quer colectiva).
 
A carreira literária de Lídia Jorge iniciou-se com a publicação de O Dia dos Prodígios, romance amplamente aclamado pela crítica e que recebeu o prestigiado Prémio Ricardo Malheiros. O romance gira em torno da comunidade rural de uma aldeia imaginária no Algarve, Vilamaninhos. O texto, construído como um bloco, e não dividido nos habituais capítulos, tece uma polifonia de vozes características do discurso oral e não-mediatizado, numa bem conseguida evocação das realidades do Portugal rural. Como pano de fundo do lento decorrer da vida das personagens, das suas limitadas vivências, aliadas porém a fugas para o domínio da fantasia, Lídia Jorge coloca um acontecimento histórico de profundo alcance, a Revolução de Abril de 1974.
A Revolução libertou Portugal de quarenta e um longos anos de ditadura, sob a liderança de Salazar. Seria legítimo afirmar-se que é o acontecimento mais importante a afectar a composição do romance e, possivelmente, toda a produção literária posterior de Lídia Jorge. De facto, o tema da luta contra a opressão atravessa toda a obra desta escritora, de diversas formas. Neste romance, escrito entre 1976 e 1978, a autora revisita sob uma perspectiva irónica, esse «dia maravilhoso» de 25 de Abril de 1974. Os soldados que, no final do romance, vêm anunciar aos habitantes da aldeia que aconteceu uma revolução são incapazes de transmitir de forma compreensível tal notícia a camponeses semi-analfabetos. Assim, para a comunidade de Vilamaninhos, a Revolução permanece uma realidade abstracta e distante, que não afecta, no imediato, as suas condições de vida e a sua visão do mundo
Numa entrevista recente a Stephanie d’Orey, Lídia Jorge declarou que os seus romances «abordam a imagem da mulher mediterrânica. A sua força é poderosa e subversiva, mas invisível socialmente.» De acordo com a sua intenção de privilegiar uma visão do mundo tal como é concebido pelas suas personagens femininas, a autora traça, neste romance, um retrato inesquecível de numerosas mulheres.
 
No romance seguinte, Notícia da Cidade Silvestre (1984), o período que se segue ao 25 de Abril continua a ser objecto de análise, embora sob um ponto de vista diferente. Não só porque a acção neste caso se passa no ambiente urbano de Lisboa, mas, ainda, porque a narração se processa na primeira pessoa, destacando assim um ponto de vista feminino. Tal dispositivo narrativo, aqui inaugurado, irá manter-se na maior parte das suas obras posteriores.
Notícia da Cidade Silvestre conta a história de duas mulheres, Anabela Cravo e Júlia Grei, e da sua luta pela sobrevivência na Lisboa do final dos anos setenta. Após ter testemunhado passivamente as implacáveis estratégias usadas pela sua amiga no seu processo de ascensão social, Júlia tenta imitá-la mas acaba por se dar conta de que esse modo de actuar põe em risco os seus entes mais queridos, nomeadamente o seu filho.
Este romance tem claramente o objectivo de abordar a problemática em torno da situação das mulheres a seguir ao desmoronamento do antigo regime. As duas obras anteriores tinham apontado para as falhas do novo regime em relação aos camponeses do Portugal rural. Nesta obra, Lídia Jorge passa a interrogar-se quanto à capacidade da Revolução em melhorar a sorte das mulheres em geral, especialmente as mulheres sozinhas com filhos para criar, como é o caso de Júlia. Júlia sobrevive a diversos traumas: a morte do marido, a traição da sua amiga Anabela, o colapso de uma outra relação amorosa, um aborto clandestino, vários episódios de prostituição motivados pela necessidade de sobreviver e, o mais determinante, a tentativa de suicídio do seu filho Jóia. Embora o final do romance sugira que ela será capaz de forjar uma nova identidade dedicando-se a tempo inteiro à escrita e travando novas amizades com aqueles que a apoiaram nas horas difíceis (como por exemplo o seu interlocutor anónimo no Bar Together/Tonight, e o seu potencial amante, Fernando), a impressão global é, ainda assim, implicitamente crítica em relação à política, que descura sistematicamente as mulheres e os seus heróicos actos de malabarismo para sobreviver no quotidiano.
Contrastando a imagem oficial de progresso (em 1979 Portugal tornou-se num dos primeiros países da Europa a ter, embora por um breve período, uma mulher como primeiro-ministro e em 1984 a lei do aborto foi revista num sentido um pouco mais liberal), não há dúvida de que Lídia Jorge, ela própria uma mãe trabalhadora, estava perfeitamente consciente que a conquista pelas mulheres do pleno direito à igualdade após a Revolução, continuava a deparar-se na prática com inúmeros entraves.
 
Se Notícia da Cidade Silvestre trata dos problemas de uma mulher confrontada com transformações e mudanças numa época histórica turbulenta, o mesmo se pode dizer de A Costa dos Murmúrios (1988), o romance mais célebre de Lídia Jorge, tanto em Portugal como no estrangeiro. O fundo histórico, no entanto, é fundamentalmente outro, já que os acontecimentos evocados neste romance se passam em Moçambique durante a guerra colonial, guerra essa que levaria eventualmente ao colapso do Estado Novo, em Abril de 1974.
A importância do tema escolhido – um conjunto de recordações pessoais da guerra – chegaria, por si só para justificar amplamente o interesse gerado em torno de A Costa dos Murmúrios, que vendeu cerca de 50 000 exemplares em menos de um ano. O capítulo que inaugura o romance, uma história intitulada «Os gafanhotos», centra-se em torno da festa de casamento de Evita e Luís Alex. Trata-se de um breve conto, narrado na terceira pessoa, que não só coloca em segundo plano a guerra em cujo contexto decorre o feliz acontecimento, como se mostra decididamente optimista, mesmo quando faz referência a mortes sucessivas. O conto culmina no inesperado suicídio do noivo.
O romance opera então uma completa deslocação no tempo, no espaço e na voz narrativa, passando a própria noiva, Eva Lobo, a assumir a narração, revisitando retrospectivamente, transcorridos quase vinte anos, os acontecimentos em que esteve envolvida durante a sua estadia em Moçambique. Ao contrário do capítulo inicial, cuidadosamente construído, Eva não dá qualquer relevo à festa de casamento. Em vez disso, a narradora recorda uma visão bem mais crítica da realidade, que põe em evidência o vazio e a falta de objectivos no quotidiano das mulheres dos oficiais, durante as longas ausências dos maridos.
O romance expõe a falácia inerente ao discurso imperial e patriarcal do regime de Salazar, mostrando como, no caso de Luís Alex, o sucesso da doutrinação ideológica resulta na sua obsessão em se tornar um herói de guerra, obsessão essa que o leva a cometer actos de uma violência desumana contra civis indefesos. Confrontada com as provas fotográficas da progressiva transformação do marido num soldado sedento de sangue, Eva Lopo lança-se num caso amoroso com um jornalista mulato. A irreparável destruição do casamento, agravada pela impotência sexual de Luís Alex ao voltar da frente de combate (e, deste modo, a impossibilidade de gerar filhos a bem da nação), funciona como um símbolo da não-viabilidade do grandioso projecto imperial salazarista a uma escala mais ampla. Vinte anos após os acontecimentos traumáticos em que esteve envolvida, Eva Lopo evoca o passado em ruínas, demonstrando ter sobrevivido, ao contrário do marido que encontrou a morte num acidente de viação (possivelmente auto-induzido). Mas, à semelhança de milhares de outros casos, Eva Lopo permanece, também ela, uma vítima de guerra, cuja inocência ficou irremediavelmente perdida.
 
Em contraste com Notícia da Cidade Silvestre e A Costa dos Murmúrios, que usam uma narradora feminina, o romance seguinte A Última Dona (1992), recorre à perspectiva masculina. Trata-se, até à data, da única obra de fôlego da escritora em que tal acontece.
O romance encaminha o leitor para a mente de um aparentemente bem sucedido homem de negócios da classe alta, chamado Geraldes. Gradualmente a escritora mostra-o preso a uma visão retrógrada da família, promulgada pelo Estado Novo e interiorizada no seio da sua própria família. O romance delineia a sua obsessão por Anita Palma Starlet, cantora e prostituta, com quem mantém uma relação extra-conjugal. No início, Geraldes compra-lhe um luxuoso casaco de mohair branco, o qual, embora inicialmente imaculado por fora, é logo à partida negro por dentro. O casal parte de carro para passar um fim-de-semana prolongado na misteriosa Casa do Leborão. A princípio, Geraldes não consegue satisfazê-la sexualmente. É só quando Anita Palma lhe aparece com um brilhante baton vermelho, ostentando o casaco de mohair branco, que a relação é consumada.
É evidente que Anita Palma, a quem Geraldes chama coquine, simboliza a sua visão confusa das mulheres. Geraldes vê em Anita todas as mulheres que amou ou desejou, incluindo a criada anónima, com quem fez a sua iniciação sexual num palheiro sujo. Visto ele ser incapaz de se relacionar emocionalmente com a mulher dotada de sentimentos humanos reais que se pode vislumbrar por detrás da fantasia que Anita para ele representa, não é de surpreender que a relação termine tragicamente, com o suicídio de Anita. Na cena final, o engenheiro queima o último vestígio da sua existência, o casaco branco entretanto maculado. Parece assim que a normalidade do status quo foi retomada, não fosse o ponto de vista irónico da escritora.
De facto, uma leitura atenta do romance sugere que enquanto existirem homens como Geraldes, simultaneamente vítimas e opressores, que continuem a exercer o seu poder e influência sem serem responsabilizados pelos seus actos, a renovação do tecido social ideada pela revolução de Abril não estará concluída.
 
O conto A Instrumentalina, publicado no mesmo ano de A Última Dona (1992), oferece-nos uma perspectiva bem diversa, que serve no entanto para complementar a do romance.
Uma narrativa tocante, cheia de elementos autobiográficos, coloca em cena uma mulher adulta que revisita a sua infância, passada numa grande casa tradicional, dominada por um avô patriarca. Ao contrário do iludido Geraldes cujo devastador isolamento gera o pesadelo de A Última Dona, a narradora dá livre curso à sua imaginação como meio de escapar à atmosfera opressiva prevalente durante a ditadura de Salazar. Como num sonho, ela evoca as suas recordações de infância de modo a criar um espaço de liberdade, simbolizado por um tio muito pouco convencional, que anda de bicicleta e é possuidor de uma máquina fotográfica e de uma máquina de escrever.
Como tal, «A Instrumentalina» corrige o retrato negativo do mundo masculino apresentado por A Última Dona, sugerindo que é possível construir alianças fecundas que permitam superar diferenças de sexo ou mesmo de idade.
 
O romance seguinte de Lídia Jorge, O Jardim sem Limites (1995), prosseguindo embora com a construção de uma narrativa na primeira pessoa, desloca a sua atenção pela primeira vez para uma geração mais nova, a geração nascida após a revolução.
O romance lida com as enormes mudanças que ocorreram no modo de vida da nação e na sua visão do mundo. Factores como a modernização, a entrada na União Europeia, e um novo culto da imagem, contribuíram para a sensação de um vazio fin-de-siècle, particularmente, entre a juventude urbana.
Em O Jardim sem Limites, a voz narrativa pertence a uma escritora de quem não sabemos o nome, que está a escrever um romance. Quando esta se instala num quarto de pensão, na Casa de Arara, conhece um grupo de jovens que se encontram todos eles a viver fora de casa dos pais. Esta situação, relativamente pouco comum na sociedade portuguesa, permite tecer uma reflexão acerca do processo de alienação dos mais novos em relação às gerações mais velhas. Falcão, uma das personagens masculinas, espécie de espelho invertido da narradora, está a tentar construir um guião cinematográfico. Encontra inspiração ao filmar Leonardo que, espicaçado pela sua ambiciosa namorada Pauline, faz de homem estátua («static man» – em inglês no original) numa das principais praças lisboetas durante períodos cada vez mais longos, numa tentativa de bater o recorde de imobilidade. No final, Leonardo consegue bater o recorde mundial mas morre entretanto, deixando uma interrogação angustiante sobre o vazio dos ideais perseguidos pela nova geração.
A questão colocada na obra é, afinal, a da responsabilidade ética e cívica, já que várias personagens são levadas ao suicídio pelas suas tentativas erróneas de atingir a perfeição como é o caso de Leonardo, ou, ainda, de Susana Marina, a rapariga gorda que quer ter um corpo de estrela semelhante ao de Maria de Medeiros. Embora a narradora declare que não é culpada e que se limitou a testemunhar os acontecimentos por pura curiosidade intelectual, Lídia Jorge demonstra que o distanciamento e a retirada para uma imaginária torre de marfim são manobras ilusórias. De facto, no final do romance, os três jovens que restam (Paulina, Falcão e Gamito) juntam-se na cama da narradora, numa tentativa de exorcizar a solidão e o medo, demonstrando, deste modo, que o envolvimento desta é maior do que ela está disposta a admitir.
 
A obra que em seguida vem a lume, A Maçon (1997) é até hoje a única peça de teatro escrita por Lídia Jorge. Trata-se de um projecto originalmente concebido para televisão em 1988-89, mas que nunca chegou a ser realizado. Lídia Jorge adaptou-a ao palco.
A obra foca a vida de Adelaide Cabete, uma das principais figuras do feminismo português das primeiras décadas do século XX. De origem humilde, formou-se em medicina e tornou-se numa influente republicana e membro da maçonaria, graças a um marido que a apoiou. A peça mostra-a numa viragem da sua vida, quando em 1929 deixa Portugal e parte de barco para um exílio angolano, com o seu sobrinho e filho adoptivo Arnaldo. Face à incompreensão, ou pior ainda, à crescente oposição manifestada perante ideais pelos quais pugnara, Adelaide Cabete expressa o seu desencanto por um país onde Salazar começara a sua ascensão ao poder. Durante a viagem marítima, refugia-se progressivamente na recordação de um mundo de sonhos passado.   
 Na dramática cena final, Arnaldo junta-se-lhe no seu delírio. Em termos simbólicos, a cena equivale a uma separação irreversível de todos os companheiros de viagem. Assim, são ambos envoltos num lençol branco pela namorada de Arnaldo, que informa o público de que irá casar-se com outro e viver uma vida convencional, dentro dos parâmetros estabelecidos pelo regime salazarista, embora de facto Arnaldo sobreviva.
Dado que Adelaide Cabete conseguiu chegar, em perfeita segurança, a Angola, onde continuou a praticar medicina até ao seu regresso a Portugal em 1934, é evidente que Lídia Jorge distorceu a verdade histórica. A distorção serve para sublinhar a posição dissidente de Adelaide Cabete, com o intuito de valorizar não apenas o seu heroísmo de mulher revolucionária, como também a sua visão de igualdade e cooperação entre os sexos. Na mente do leitor/espectador permanece assim, acima de tudo, a sua mensagem final acerca da necessidade e méritos do não-conformismo.
De facto, ao longo da sua obra, Lídia Jorge preocupa-se com as implicações de uma atitude conformista, que a escritora mostra frequentemente ser auto mutiladora, sobretudo no caso das mulheres.
 
Este fio condutor também atravessa o livro Marido e outros Contos (1997). O conto inicial desta colectânea retrata uma porteira analfabeta de um bloco de apartamentos da classe média, que é sistematicamente espancada pelo marido bêbado. Os seus bem intencionados vizinhos aconselham-na a deixar o marido cruel, mas ela recusa-se a fazê-lo, pondo em perigo a sua segurança. Acaba por morrer numa cena horrível, quando ele lhe deita fogo, ainda viva.
No seio do mesmo volume, outros contos investigam igualmente as implicações quase suicidárias da submissão passiva à supremacia masculina de contornos nitidamente sádicos.
Em «António», por exemplo, o cabeleireiro é investido com o poder de destruir a auto-estima de uma mulher. Convém referir porém que muitas das histórias mostram como tanto homens como mulheres se arriscam a permanecer enclausurados numa visão ficcional do mundo que eles próprios constroem. Em «O conto do Nadador», o último conto do livro, ambos os sexos são prisioneiros de fantasias que repõem em cena papéis sociais tradicionais extremamente mutiladores. No entanto, apesar de os contos descreverem sobretudo personagens alienadas, há alguns casos que servem de contraponto a esta visão predominantemente pessimista. O caso mais interessante pode ser encontrado na história «A Instrumentalina», conto esse já anteriormente publicado em livro, onde a narrativa foca um potencial oásis de liberdade, apesar de condições sociais e políticas oprimentes.
 
Após breves incursões no teatro e no conto, Lídia Jorge voltou ao romance com consumada mestria, publicando O Vale da Paixão (1998), uma obra que mereceu o prémio Europeu Jean Monet.
Trata-se de uma história de denso conteúdo psicológico, na qual transparece simultaneamente inegável pendor alegórico. A narrativa, mais uma vez, conduzida na primeira pessoa, ergue-se em torno das recordações da narradora (a quem, mais uma vez, a autora não dá nome) e da sua relação fundamental com o tio Walter: pouco convencional, emigrante sempre ausente, ele é, na realidade, o seu pai biológico. Esta filha ilegítima, nascida numa família tradicional do Algarve, no final dos anos quarenta, não consegue esquecer o seu pai biológico, que volta a Portugal duas vezes. A mãe é forçada a casar com o irmão mais velho de Walter, Custódio, enquanto o desencaminhado Walter vai como soldado para Goa.
Num certo sentido, o romance gira em torno das tentativas da personagem feminina, de enfrentar a sua híbrida herança. De facto, o encontro secreto entre pai e filha, numa noite chuvosa, durante a segunda estadia do ‘tio’ em 1963, persegue-a até ao presente narrativo. Vinte anos depois deste encontro determinante, a narradora, agora uma mulher adulta, escritora de contos, vai à procura de Walter na Venezuela. Num acto de suprema vingança, oferece-lhe o seu livro de contos, que pinta um retrato cruel do tio/pai. A recordação do tio, porém, continua a persegui-la. Quando Walter Dias morre, vários anos mais tarde, deixa-lhe como herança a sua manta de soldado. Na última página do livro ela enterra a manta, numa tentativa de enterrar também, de uma vez por todas, o fantasma da sua inclassificável herança
Ao não dar nome à personagem narradora, Lídia Jorge chama a atenção para a instabilidade da sua identidade. A falta de uma filiação segura emerge repetidamente, à medida que a personagem principal rejeita a unidade familiar tradicional dos Dias e vai à procura de um fugidio ponto de origem sob o manto do pai ausente. Embora o romance seja narrado como uma história individual, em muitos planos a trajectória da personagem torna-se um exemplo da própria nação. Tal como a nação, ela está pousada entre a dissolução do modo de vida rural, tradicional e pré-revolucionário simbolizado pela casa dos Dias, cujos filhos, excepto Custódio, emigraram, e a igualmente problemática falta de modelos, criada pela dispersão pós-revolucionária. Em última análise, a mágoa causada pelo pecado original, a expulsão do Paraíso e a procura nómada de uma identidade mítica destinada a permanecer sempre fugidia, podem ser lidas tanto a nível individual, como colectivo. Segundo Lídia Jorge, as pessoas são formadas pela sua terra natal: «Ninguém nasce livre da terra. Não vale a pena fugir».
Ao longo de uma carreira cheia de êxito que já abarca duas décadas, Lídia Jorge reflecte nos seus romances as realidades sociais do seu país, a partir do seu próprio multifacetado percurso biográfico. Com efeito, o enquadramento geográfico dos seus romances vai beber ao seu Algarve natal, aos anos passados nas antigas colónias africanas, bem como aos muitos anos de residência em Lisboa. Nos seus romances, perpassam além disso ecos de algumas das experiências que moldaram a infância da autora, tais como a ausência do pai e do avô e o seu quotidiano numa casa só de mulheres, ou ainda acontecimentos marcantes posteriores, como o casamento, a maternidade, o divórcio, e o contacto com adolescentes. Muitas das suas narradoras encontram um escape no poder curativo da escrita numa tentativa de discernir algum sentido para mundo que as rodeia. Desta forma, partilham algum grau de semelhança com a própria Lídia Jorge.
Com efeito, ao apresentar as vivências de diferentes gerações e mesmo de diferentes sexos, em cenários ora rurais ora urbanos, Jorge consegue, com extraordinária mestria, dar voz a uma pluralidade de perspectivas, enquanto tece uma contínua e corajosa reflexão sobre os desafios que afectam os vários sectores da sociedade portuguesa contemporânea. Dada a sua notável capacidade de renovar a sua escrita ficcional de obra para obra, quer em termos temáticos como temos vindo a demonstrar, quer também em termos de propostas estruturais, podemos afirmar que Lídia Jorge está indubitavelmente a edificar uma das mais originais, abrangentes e significativas obras literárias produzidas em Portugal, no último quartel do século XX
 
Cláudia Pazos Alonso
Publicado por Prof. Vasconcelos às 10:56

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Quinta-feira, 22 de Fevereiro de 2007

Jardim sem limites

1995

Jardim sem limitesO Jardim Sem Limites, onde à pequena aldeia de Vilamaninhos, que simbolizava no seu primeiro romance o Portugal pequenino e arcaico, se substitui Lisboa, a metrópole europeia onde se cruzam todas as influências e se rarefazem identidades e territórios.
O romance seguinte de Lídia Jorge, O Jardim sem Limites (1995), prosseguindo embora com a construção de uma narrativa na primeira pessoa, desloca a sua atenção pela primeira vez para uma geração mais nova, a geração nascida após a revolução. O romance lida com as enormes mudanças que ocorreram no modo de vida da nação e na sua visão do mundo. Factores como a modernização, a entrada na União Europeia, e um novo culto da imagem, contribuíram para a sensação de um vazio fin-de-siècle, particularmente, entre a juventude urbana.Em O Jardim sem Limites, a voz narrativa pertence a uma escritora de quem não sabemos o nome, que está a escrever um romance. Quando esta se instala num quarto de pensão, na Casa de Arara, conhece um grupo de jovens que se encontram todos eles a viver fora de casa dos pais. Esta situação, relativamente pouco comum na sociedade portuguesa, permite tecer uma reflexão acerca do processo de alienação dos mais novos em relação às gerações mais velhas. Falcão, uma das personagens masculinas, espécie de espelho invertido da narradora, está a tentar construir um guião cinematográfico. Encontra inspiração ao filmar Leonardo que, espicaçado pela sua ambiciosa namorada Pauline, faz de homem estátua («static man» – em inglês no original) numa das principais praças lisboetas durante períodos cada vez mais longos, numa tentativa de bater o recorde de imobilidade. No final, Leonardo consegue bater o recorde mundial mas morre entretanto, deixando uma interrogação angustiante sobre o vazio dos ideais perseguidos pela nova geração.A questão colocada na obra é, afinal, a da responsabilidade ética e cívica, já que várias personagens são levadas ao suicídio pelas suas tentativas erróneas de atingir a perfeição como é o caso de Leonardo, ou, ainda, de Susana Marina, a rapariga gorda que quer ter um corpo de estrela semelhante ao de Maria de Medeiros. Embora a narradora declare que não é culpada e que se limitou a testemunhar os acontecimentos por pura curiosidade intelectual, Lídia Jorge demonstra que o distanciamento e a retirada para uma imaginária torre de marfim são manobras ilusórias. De facto, no final do romance, os três jovens que restam (Paulina, Falcão e Gamito) juntam-se na cama da narradora, numa tentativa de exorcizar a solidão e o medo, demonstrando, deste modo, que o envolvimento desta é maior do que ela está disposta a admitir.

Publicado por caetana às 15:38

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Domingo, 18 de Fevereiro de 2007

A Maçon

1997

A AmçonA sua peça para teatro (A Maçon) procura um tempo mais remoto, os primeiros anos da ditadura, para retratar a condição feminina imposta pela ideologia do Estado Novo e a perda de liberdades (também) por parte das mulheres.
A obra que em seguida vem a lume, A Maçon (1997) é até hoje a única peça de teatro escrita por Lídia Jorge. Trata-se de um projecto originalmente concebido para televisão em 1988-89, mas que nunca chegou a ser realizado. Lídia Jorge adaptou-a ao palco. A obra foca a vida de Adelaide Cadete, uma das principais figuras do feminismo português das primeiras décadas do século XX. De origem humilde, formou-se em medicina e tornou-se numa influente republicana e membro da maçonaria, graças a um marido que a apoiou. A peça mostra-a numa viragem da sua vida, quando em 1929 deixa Portugal e parte de barco para um exílio angolano, com o seu sobrinho e filho adoptivo Arnaldo. Face à incompreensão, ou pior ainda, à crescente oposição manifestada perante ideais pelos quais pugnara, Adelaide Cabete expressa o seu desencanto por um país onde Salazar começara a sua ascensão ao poder. Durante a viagem marítima, refugia-se progressivamente na recordação de um mundo de sonhos passado. 
   
 Na dramática cena final, Arnaldo junta-se-lhe no seu delírio. Em termos imbólicos, a cena equivale a uma separação irreversível de todos os companheiros de viagem. Assim, são ambos envoltos num lençol branco pela namorada de Arnaldo, que informa o público de que irá casar-se com outro e viver uma vida convencional, dentro dos parâmetros estabelecidos pelo regime salazarista, embora de facto Arnaldo sobreviva.Dado que Adelaide Cadete conseguiu chegar, em perfeita segurança, a Angola, onde continuou a praticar medicina até ao seu regresso a Portugal em 1934, é evidente que Lídia Jorge distorceu a verdade histórica. A distorção serve para sublinhar a posição dissidente de Adelaide Cadete, com o intuito de valorizar não apenas o seu heroísmo de mulher revolucionária, como também a sua visão de igualdade e cooperação entre os sexos. Na mente do leitor/espectador permanece assim, acima de tudo, a sua mensagem final acerca da necessidade e méritos do não-conformismo.

Publicado por Adriana às 15:48

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Sexta-feira, 16 de Fevereiro de 2007

A Entrevista imaginada

Instituto Camões - http://www.instituto-camoes.pt/revista/sobreeq.htmO conto “A Instrumentalina” lê-se de uma vez só. Começa-se a acaba-se sem paragens pelo meio. E parece que foi escrito da mesma maneira. Como foi? Demorou muito a escrever este conto ou foi como o Fernando Pessoa, que numa noite de insónia escreveu uma série de poemas seguidos?

[Sorrisos]
Não, não foi bem como o Fernando Pessoa, mas também não foi muito diferente.
Às vezes as histórias habitam-nos muito antes de serem escritas. Andam cá dentro, crescem, compõem-se, organizam-se e vão-se tornando cada vez mais insistentes até que um dia, uma hora, têm forçosamente que sair.
Esta história d’ «A Instrumentalina» já andava a contorcer-se dentro de mim há algum tempo e numas férias de Carnaval (está agora a fazer anos) jorrou cá para fora.
Fui passar alguns dias com a minha mãe (a Boliqueime) e comecei a escrever. Sentei-me e as personagens, as ideias, os sentimentos começaram a ganhar corpo e o conto apareceu escrito ao fim de três dias.
Na verdade, foi escrito quase de seguida, sem grandes reescritas.
Sabiam que “Conto” é a ponta do remo, da vara que mergulha na água? “Conto” vem daí, vem da ponta do remo que é o suficiente para avançar, só se mete na água o suficiente para avançar. O conto, em geral, não precisa de grandes dissertações, precisa que a dissertação seja reduzida ao mínimo para poder avançar; isso é que faz o ritmo do conto.
Por isso não demorou muito tempo… mas também não foi numa madrugada!

Fotografia de Graça Sarsfield in Vozes e Olhares no Feminino, Edições Afrontamento, Porto 2001 - www.mulheres-ps20.ipp.pt/Lidia-Jorge.htmDisse que um “conto” é o “suficiente para avançar”. Ora há comentadores que sugerem que o «O Vale da Paixão» é uma ampliação d’«A Instrumentalina». É assim?

Talvez sim e talvez não.
“Talvez sim”, porque a temática – essa ideia de uma rapariga jovem à busca do amor, a oposição entre a opressão materialista e o sonho da liberdade – é comum, de forma muito nítida, nas duas obras. Além disso, a história daquela menina pareceu-me, desde o início, que tinha outras tonalidades, outras perspectivas, outra dimensão que não cabiam no conto e que seria importante explorar. Por isso, acho que não é abusivo dizer-se que o conto «A Instrumentalina» cresceu, modificou-se, alterou-se até se transformar no romance «O Vale da Paixão».
Mas por outro lado “talvez não”; porque se isso aconteceu, não foi nunca uma atitude consciente ou voluntária. Eu prefiro entender que são duas histórias diferentes, com elementos comuns, mas autónomas e com objectivos diversos. É claro que ambas se baseiam num mesmo ponto de partida, numa mesma preocupação elementar, numa mesma experiência emocional. Mas têm implicações diferentes.
Diria que «A Instrumentalina» é um suspiro e que o «Vale da Paixão» é um pensamento.

Fotografia de Daniel Mordzinski - www.arteseletras.org/destaque/lidia_jorge.html “Objectivos diversos”? Uma das questões que tínhamos para lhe por era qual a “moral” d’«A Instrumentalina». Mas vamos fazer-lhe a pergunta de outra maneira: Qual é o objectivo deste conto? Ou afinal, porque é que o escreveu?

Claramente prefiro que falem em “objectivo” ou “razão para…” à expressão “moral de…”.
Não tenho, nem nuca tive pretensões de pregar uma moral, nem os meus livros quiseram alguma vez mostrar o caminho que os outros devem seguir.
Eu escrevo com as duas mãos: com uma mão, procuro demonstrar que uma coisa está errada, ou a revolta contra alguma coisa; com a outra, procuro compor alguma coisa que tenha a ver com a beleza. E a falta de fraternidade e a humilhação é uma coisa que a minha mão esquerda está permanentemente a trazer para a escrita.
«A Instrumentalina» é um pouco um grito – mais um “suspiro”, como disse atrás  – contra esse sentimento de humilhação, de opressão e de traição entre pessoas que se cruzam no tempo e no espaço.
A literatura existe para falar desses laços complexos, para os quais não há palavras. Se houvesse palavras, não precisávamos de escrever os livros. Os livros servem para colocarmos em acção a complexidade dos sentimentos, das vozes e dos recuos. O mundo da relação humana é complexo e belo. Merece ser contemplado.
Não escrevo livros para catequizar ninguém, eu não acho que a literatura ou que os meus livros sirvam para dizer que ao mal opõe-se o bem. Eu não tenho a preocupação de dizer qual é o mal e qual é a receita.


Fotografia de Olivier Roller - http://olivier.roller.free.fr/jorgelidia.htmlMas então porque é que escreve?

O processo de escrita (e o da leitura) é uma espécie de meditação.
Escrevo e leio para me repensar e para reconhecer o que me constitui, enquanto indivíduo e enquanto membro de uma sociedade.
E reparem que disse “reconhecer” no sentido de “voltar a conhecer”, de procurar um segundo conhecimento, mais elaborado, mais reflectido, mais completo das realidades que vou conhecendo no imediatismo do dia-a-dia.
Além disso, a literatura serve para ao mal opor a beleza, dentro da beleza eu acho que o bem é uma parte ou que a beleza é uma parte do bem, estão misturados, mas eu não sei resolver. Se eu soubesse a chave do bem, eu era política, eu não escrevia, mas eu não tenho a chave do bem, eu penso ter algumas chaves, pequenas chaves, para a beleza e então são essas que eu utilizo e quando me perguntam porquê, qual é a intenção, é esta – é para ajudar que outros se espantem comigo e que pensem sobre isso com palavras que tenham a altura suficiente para, ao mesmo tempo, os provocar e não os magoar, que pensem sobre o mal, mas ajudados por algo que lhes dê um impulso para uma elevação.
Aquilo por que eu luto é por escrever obras que eu acho que, no silêncio da minha vida, são importantes porque são a verdade do momento, daquilo que eu quero dizer e eu acho que são as personagens que fazem falar as coisas da terra, no momento.

Uma das coisas que nos ficou da leitura do conto é que ele parecia mesmo um relato autobiográfico. Parecia que era a Lídia Jorge a contar-nos uma história, quase um segredo, da sua infância. Até que ponto é que a história daquela menina é a história da escritora?

Ora meninas… É muito importante que sejam capazes de distinguir o que é uma biografia (ou auto-biografia) do que é uma obra de ficção.
«A Instrumentalina» é um conto, é uma ficção e portanto aquela menina não sou eu, embora seja uma construção minha.

Fotografia de Olivier Roller - http://olivier.roller.free.fr/jorgelidia.htmlSim, mas encontrámos muitos aspectos comuns entre a biografia da autora e a vida daquela menina: a casa rural, a paisagem do Algarve, a ausência do pai, o predomínio das figuras femininas…

Sim, mas todas as acções pessoais são contaminadas (ou enriquecidas) pelas experiências históricas e individuais dos seus sujeitos. Ortega Y Gasset dizia “O homem é o homem e as suas circunstâncias”. Tudo o que somos e sentimos resulta também das nossas memórias e das nossas vivências passadas e presentes.
Não é possível separar-me em “parte”. Escreveria o mesmo se não tivesse a minha história, se não fosse mulher e se não me chamasse Lídia? Os meus livros falam de um mundo de que outros não saberiam falar.
Não rejeito (nem o poderia) que aquela história é também em parte a minha história. De facto o meu pai foi sempre um pai ausente porque era emigrante, e o meu universo infantil foi emoldurado por figuras femininas (da minha mãe e das minhas tias). É também verdade que aquela casa é construída “em cima” da nossa casa em Boliqueime. E o “campo de margaridas” de que se fala na obra era realmente um campo próximo de nossa casa que na Primavera se enchia de flores e para onde às vezes íamos brincar. Mas nunca tive um tio Fernando.
São pontos de referência, são sustentáculos reais que dizem que a história que estamos inventando não é falsa e que tem verosimilhança, que tem pontos de apoio. Mas esta personalidade é inventada, os percursos daquela família não coincidem com os percursos de nenhuma família real.

Fotografia de Olivier Roller - http://olivier.roller.free.fr/jorgelidia.htmlNa história, a “Instrumentalina” é muito mais do que uma bicicleta. É ao mesmo tempo uma personagem e um símbolo, não é? Afinal, quem é a Instrumentalina?

É isso mesmo que vocês disseram: um objecto que ganha a dimensão de uma personagem, porque tem nome e é amada e odiada como se de uma pessoa se tratasse.
E é também um símbolo. Um símbolo de todas as outras personagens (pessoas) que são instrumentos do sonho, da liberdade, do que fica além.
Como se aperceberam, o importante não é a bicicleta, mas o que ela significa para as crianças, para o tio Fernando e para o avô. Um pouco como a máquina de escrever e a máquina fotográfica.

E porque é que deu um fim tão trágico a essa “personagem”?

Trágico?

Fotografia de Olivier Roller - http://olivier.roller.free.fr/jorgelidia.htmlSim… afinal ela “morre” no fundo de uma nora. Acaba partida e sem brilho.

Se pensarmos bem, só o objecto se parte. A personagem que está por trás do objecto mantém-se até ao fim e perdura sobre todos os outros intervenientes.
[Pegando no livro…]
Logo no início do conto, a narradora diz-nos: «No entanto, passados tantos anos, reunida, como se pudesse ter-se mantido unificada pelo tempo, visitava-me [A instrumentalina] rodando sobre o gelo como antigamente acontecia, nos campos de calor e poeira.» e na página seguinte: «A porta de vidro permitia que dali onde me encontrava pudesse ver quem saía e quem entrava, sobretudo quem deixava o chapéu e a gabardine no bengaleiro. A bicicleta longínqua aparecia de perfil, mostrava o brilho dos seus raios girando ao sol, e uma outra luminosidade da Terra aparecia».
O que “morreu” não foi a personagem nem o seu simbolismo. Foi apenas o Instrumento usado porque nessa altura ele já não era preciso. O desejo de liberdade tinha conquistado já a maioridade, a sua autonomia. O que se passou foi que o avô nunca chegou a perceber que maior que o “instrumento” era a vontade, o apelo, a urgência de ir além e de ser livre. Por isso, quando deu ordem para fazer desaparecer a bicicleta, apenas precipitou o desenlace da história.

Página de José Carlos Abrantes - http://www.josecarlosabrantes.net/fupload/Lídia%20Jorge.jpgNo conto, aquela menina é impotente, frágil, silenciosa, invisível. Mas no fim, passados 30 anos, é com ela que o tio Fernando se encontra. É um prémio tardio?

Pode entender-se assim!
Mas na verdade a menina nunca foi nem impotente nem invisível. Teve, é certo, uma postura frágil e silenciosa, que se podia confundir com impotência e invisibilidade, mas no fundo o tio Fernando sempre soube que ela estava ali. Foi com ela que privou nos espaços, era ela que o ia acordar à intimidade do quarto, foi ela a escolhida para ir ao campo das margaridas e foi a ela que o tio confidenciou o segredo sobre “uma mulher divina”.
Prefiro ver esse encontro como um reencontro de afectos temporariamente interrompidos, mas que sempre permaneceram. Mais do que um prémio é um retomar de uma linha de vida, é o recomeçar a história.

16 - Literaturhaus Frankfurt - http://www.literaturhaus-frankfurt.de/images/Jorge%20Lidia.jpgConsegue escolher o livro ou os livros da sua vida?

É impossível escolher só um. Posso seleccionar três que me marcaram em diferentes fases da minha vida: «Guerra e Paz», de Tolstoi, tinha eu os meus 15 anos; «Nada» da catalã Carmen Laforet, durante o meu período de estudante universitária e, finalmente, «Orlando» de Virginia Wolf, já na minha idade adulta.

Publicado por caetana às 14:57

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Uma entrevista imaginada, quase real

Quando nos preparámos para fazer a entrevista imaginada, decidimos que ela seria o mais verosímil possível.

Tratando-se de uma autora contemporânea, muito interventiva nos Media, achámos que poderíamos encontrar algures as respostas para as perguntas que queríamos fazer.

 

Depois de lermos a obra, e na aula de Português, escrevemos as perguntas que queríamos fazer à autora.

 

in http://timeintelaviv.blogspot.com/womenwriters/

 

Escolhemos as seguintes perguntas:

 

  1. Porque e como decidiu ser escritora?
  2. Demorou muito a escrever este conto?
  3. Qual a moral deste conto?
  4. Este conto é autobiográfico?
  5. O que simboliza a Instrumentalina?
  6. Porque é que escolheu um fim tão trágico para a Instrumentalina?
  7. Porque é que a menina e o tio se reencontram apenas 30 anos depois?
  8. Qual foi o livro que mais gostou de ler?
  9. Gostou de ver algumas das suas obras adaptadas ao teatro e ao cinema?
  10. Porque não escreve mais livros para crianças/jovens?

 

Depois partimos à procura das entrevistas dadas pela autora e à procura das respostas que podíamos aproveitar.

Consultámos, entre outras, as seguintes entrevistas:

·        Lídia Jorge – Entrevistada por Andreia Azevedo Soares – Colecção Mil Folhas – Jornal Público

·        Em entrevista a Ana Sofia Calaça, «A literatura é um desafio perante o desconhecido» - Correio da Manhã/ Revista, Lisboa, 09/07/2000

·        Lídia Jorge in other words / Lídia Jorge por outras palavras - Interview with Lídia Jorge - Stephanie d’Orey – University of Massachusetts

·        Entrevista ao “Ensino Magazine”

·        Debate Nacional sobre a Educação - Entrevista a Lídia Jorge

·        Entrevista ao Jornal “Algarve Académico”

 

 

Depois de termos escolhido as respostas que mais nos serviam, refizemos as perguntas de forma a tudo parecer uma conversa seguida e natural.

 

Todavia, recordamos:

  1. Esta é uma entrevista IMAGINADA e as opiniões expressas não são as da autora, mas apenas a nossa interpretação daquilo que a autora PODERIA responder.
  2. Se bem que imaginada, esta é uma entrevista em que a larguíssima maioria do texto é a transcrição de respostas dadas pela autora a outros entrevistadores.
Publicado por Mariana às 14:44

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