Esclarecimento...
Encontrámos, quase por acaso, um excelente artigo da Drª Cláudia Pazos Alonso (professora na Universidade de Oxford - UK - Departamento "Medieval and Modern Languages and Literatures") sobre a obra de Lídia Jorge.
Contactamos por e-mail a autora, solicitando autorização para a transcrição deste artigo publicado no jornal escolar "Preto no Branco" da Esc. Sec. João de Deus.
Foi esta a resposta que recebemos:
Prezado José Paulo Parabéns pela inciativa! Recebido por E-Mail a 12 de Fevereiro de 2007 |
Fomos verificar no Instituto Camões, mas não encontrámos nenhuma referência ao artigo em questão. Assim, e para que todos possam aproveitar do execelente trabalho da Drª Cláudia Pazos Alonso, e com a devida vénia, transcrevemos na íntegra:
1995
O Jardim Sem Limites, onde à pequena aldeia de Vilamaninhos, que simbolizava no seu primeiro romance o Portugal pequenino e arcaico, se substitui Lisboa, a metrópole europeia onde se cruzam todas as influências e se rarefazem identidades e territórios.
O romance seguinte de Lídia Jorge, O Jardim sem Limites (1995), prosseguindo embora com a construção de uma narrativa na primeira pessoa, desloca a sua atenção pela primeira vez para uma geração mais nova, a geração nascida após a revolução. O romance lida com as enormes mudanças que ocorreram no modo de vida da nação e na sua visão do mundo. Factores como a modernização, a entrada na União Europeia, e um novo culto da imagem, contribuíram para a sensação de um vazio fin-de-siècle, particularmente, entre a juventude urbana.Em O Jardim sem Limites, a voz narrativa pertence a uma escritora de quem não sabemos o nome, que está a escrever um romance. Quando esta se instala num quarto de pensão, na Casa de Arara, conhece um grupo de jovens que se encontram todos eles a viver fora de casa dos pais. Esta situação, relativamente pouco comum na sociedade portuguesa, permite tecer uma reflexão acerca do processo de alienação dos mais novos em relação às gerações mais velhas. Falcão, uma das personagens masculinas, espécie de espelho invertido da narradora, está a tentar construir um guião cinematográfico. Encontra inspiração ao filmar Leonardo que, espicaçado pela sua ambiciosa namorada Pauline, faz de homem estátua («static man» – em inglês no original) numa das principais praças lisboetas durante períodos cada vez mais longos, numa tentativa de bater o recorde de imobilidade. No final, Leonardo consegue bater o recorde mundial mas morre entretanto, deixando uma interrogação angustiante sobre o vazio dos ideais perseguidos pela nova geração.A questão colocada na obra é, afinal, a da responsabilidade ética e cívica, já que várias personagens são levadas ao suicídio pelas suas tentativas erróneas de atingir a perfeição como é o caso de Leonardo, ou, ainda, de Susana Marina, a rapariga gorda que quer ter um corpo de estrela semelhante ao de Maria de Medeiros. Embora a narradora declare que não é culpada e que se limitou a testemunhar os acontecimentos por pura curiosidade intelectual, Lídia Jorge demonstra que o distanciamento e a retirada para uma imaginária torre de marfim são manobras ilusórias. De facto, no final do romance, os três jovens que restam (Paulina, Falcão e Gamito) juntam-se na cama da narradora, numa tentativa de exorcizar a solidão e o medo, demonstrando, deste modo, que o envolvimento desta é maior do que ela está disposta a admitir.
1997
A sua peça para teatro (A Maçon) procura um tempo mais remoto, os primeiros anos da ditadura, para retratar a condição feminina imposta pela ideologia do Estado Novo e a perda de liberdades (também) por parte das mulheres.
A obra que em seguida vem a lume, A Maçon (1997) é até hoje a única peça de teatro escrita por Lídia Jorge. Trata-se de um projecto originalmente concebido para televisão em 1988-89, mas que nunca chegou a ser realizado. Lídia Jorge adaptou-a ao palco. A obra foca a vida de Adelaide Cadete, uma das principais figuras do feminismo português das primeiras décadas do século XX. De origem humilde, formou-se em medicina e tornou-se numa influente republicana e membro da maçonaria, graças a um marido que a apoiou. A peça mostra-a numa viragem da sua vida, quando em 1929 deixa Portugal e parte de barco para um exílio angolano, com o seu sobrinho e filho adoptivo Arnaldo. Face à incompreensão, ou pior ainda, à crescente oposição manifestada perante ideais pelos quais pugnara, Adelaide Cabete expressa o seu desencanto por um país onde Salazar começara a sua ascensão ao poder. Durante a viagem marítima, refugia-se progressivamente na recordação de um mundo de sonhos passado.
Na dramática cena final, Arnaldo junta-se-lhe no seu delírio. Em termos imbólicos, a cena equivale a uma separação irreversível de todos os companheiros de viagem. Assim, são ambos envoltos num lençol branco pela namorada de Arnaldo, que informa o público de que irá casar-se com outro e viver uma vida convencional, dentro dos parâmetros estabelecidos pelo regime salazarista, embora de facto Arnaldo sobreviva.Dado que Adelaide Cadete conseguiu chegar, em perfeita segurança, a Angola, onde continuou a praticar medicina até ao seu regresso a Portugal em 1934, é evidente que Lídia Jorge distorceu a verdade histórica. A distorção serve para sublinhar a posição dissidente de Adelaide Cadete, com o intuito de valorizar não apenas o seu heroísmo de mulher revolucionária, como também a sua visão de igualdade e cooperação entre os sexos. Na mente do leitor/espectador permanece assim, acima de tudo, a sua mensagem final acerca da necessidade e méritos do não-conformismo.
O conto “A Instrumentalina” lê-se de uma vez só. Começa-se a acaba-se sem paragens pelo meio. E parece que foi escrito da mesma maneira. Como foi? Demorou muito a escrever este conto ou foi como o Fernando Pessoa, que numa noite de insónia escreveu uma série de poemas seguidos?
[Sorrisos]
Não, não foi bem como o Fernando Pessoa, mas também não foi muito diferente.
Às vezes as histórias habitam-nos muito antes de serem escritas. Andam cá dentro, crescem, compõem-se, organizam-se e vão-se tornando cada vez mais insistentes até que um dia, uma hora, têm forçosamente que sair.
Esta história d’ «A Instrumentalina» já andava a contorcer-se dentro de mim há algum tempo e numas férias de Carnaval (está agora a fazer anos) jorrou cá para fora.
Fui passar alguns dias com a minha mãe (a Boliqueime) e comecei a escrever. Sentei-me e as personagens, as ideias, os sentimentos começaram a ganhar corpo e o conto apareceu escrito ao fim de três dias.
Na verdade, foi escrito quase de seguida, sem grandes reescritas.
Sabiam que “Conto” é a ponta do remo, da vara que mergulha na água? “Conto” vem daí, vem da ponta do remo que é o suficiente para avançar, só se mete na água o suficiente para avançar. O conto, em geral, não precisa de grandes dissertações, precisa que a dissertação seja reduzida ao mínimo para poder avançar; isso é que faz o ritmo do conto.
Por isso não demorou muito tempo… mas também não foi numa madrugada!
Disse que um “conto” é o “suficiente para avançar”. Ora há comentadores que sugerem que o «O Vale da Paixão» é uma ampliação d’«A Instrumentalina». É assim?
Talvez sim e talvez não.
“Talvez sim”, porque a temática – essa ideia de uma rapariga jovem à busca do amor, a oposição entre a opressão materialista e o sonho da liberdade – é comum, de forma muito nítida, nas duas obras. Além disso, a história daquela menina pareceu-me, desde o início, que tinha outras tonalidades, outras perspectivas, outra dimensão que não cabiam no conto e que seria importante explorar. Por isso, acho que não é abusivo dizer-se que o conto «A Instrumentalina» cresceu, modificou-se, alterou-se até se transformar no romance «O Vale da Paixão».
Mas por outro lado “talvez não”; porque se isso aconteceu, não foi nunca uma atitude consciente ou voluntária. Eu prefiro entender que são duas histórias diferentes, com elementos comuns, mas autónomas e com objectivos diversos. É claro que ambas se baseiam num mesmo ponto de partida, numa mesma preocupação elementar, numa mesma experiência emocional. Mas têm implicações diferentes.
Diria que «A Instrumentalina» é um suspiro e que o «Vale da Paixão» é um pensamento.
“Objectivos diversos”? Uma das questões que tínhamos para lhe por era qual a “moral” d’«A Instrumentalina». Mas vamos fazer-lhe a pergunta de outra maneira: Qual é o objectivo deste conto? Ou afinal, porque é que o escreveu?
Claramente prefiro que falem em “objectivo” ou “razão para…” à expressão “moral de…”.
Não tenho, nem nuca tive pretensões de pregar uma moral, nem os meus livros quiseram alguma vez mostrar o caminho que os outros devem seguir.
Eu escrevo com as duas mãos: com uma mão, procuro demonstrar que uma coisa está errada, ou a revolta contra alguma coisa; com a outra, procuro compor alguma coisa que tenha a ver com a beleza. E a falta de fraternidade e a humilhação é uma coisa que a minha mão esquerda está permanentemente a trazer para a escrita.
«A Instrumentalina» é um pouco um grito – mais um “suspiro”, como disse atrás – contra esse sentimento de humilhação, de opressão e de traição entre pessoas que se cruzam no tempo e no espaço.
A literatura existe para falar desses laços complexos, para os quais não há palavras. Se houvesse palavras, não precisávamos de escrever os livros. Os livros servem para colocarmos em acção a complexidade dos sentimentos, das vozes e dos recuos. O mundo da relação humana é complexo e belo. Merece ser contemplado.
Não escrevo livros para catequizar ninguém, eu não acho que a literatura ou que os meus livros sirvam para dizer que ao mal opõe-se o bem. Eu não tenho a preocupação de dizer qual é o mal e qual é a receita.
Mas então porque é que escreve?
O processo de escrita (e o da leitura) é uma espécie de meditação.
Escrevo e leio para me repensar e para reconhecer o que me constitui, enquanto indivíduo e enquanto membro de uma sociedade.
E reparem que disse “reconhecer” no sentido de “voltar a conhecer”, de procurar um segundo conhecimento, mais elaborado, mais reflectido, mais completo das realidades que vou conhecendo no imediatismo do dia-a-dia.
Além disso, a literatura serve para ao mal opor a beleza, dentro da beleza eu acho que o bem é uma parte ou que a beleza é uma parte do bem, estão misturados, mas eu não sei resolver. Se eu soubesse a chave do bem, eu era política, eu não escrevia, mas eu não tenho a chave do bem, eu penso ter algumas chaves, pequenas chaves, para a beleza e então são essas que eu utilizo e quando me perguntam porquê, qual é a intenção, é esta – é para ajudar que outros se espantem comigo e que pensem sobre isso com palavras que tenham a altura suficiente para, ao mesmo tempo, os provocar e não os magoar, que pensem sobre o mal, mas ajudados por algo que lhes dê um impulso para uma elevação.
Aquilo por que eu luto é por escrever obras que eu acho que, no silêncio da minha vida, são importantes porque são a verdade do momento, daquilo que eu quero dizer e eu acho que são as personagens que fazem falar as coisas da terra, no momento.
Uma das coisas que nos ficou da leitura do conto é que ele parecia mesmo um relato autobiográfico. Parecia que era a Lídia Jorge a contar-nos uma história, quase um segredo, da sua infância. Até que ponto é que a história daquela menina é a história da escritora?
Ora meninas… É muito importante que sejam capazes de distinguir o que é uma biografia (ou auto-biografia) do que é uma obra de ficção.
«A Instrumentalina» é um conto, é uma ficção e portanto aquela menina não sou eu, embora seja uma construção minha.
Sim, mas encontrámos muitos aspectos comuns entre a biografia da autora e a vida daquela menina: a casa rural, a paisagem do Algarve, a ausência do pai, o predomínio das figuras femininas…
Sim, mas todas as acções pessoais são contaminadas (ou enriquecidas) pelas experiências históricas e individuais dos seus sujeitos. Ortega Y Gasset dizia “O homem é o homem e as suas circunstâncias”. Tudo o que somos e sentimos resulta também das nossas memórias e das nossas vivências passadas e presentes.
Não é possível separar-me em “parte”. Escreveria o mesmo se não tivesse a minha história, se não fosse mulher e se não me chamasse Lídia? Os meus livros falam de um mundo de que outros não saberiam falar.
Não rejeito (nem o poderia) que aquela história é também em parte a minha história. De facto o meu pai foi sempre um pai ausente porque era emigrante, e o meu universo infantil foi emoldurado por figuras femininas (da minha mãe e das minhas tias). É também verdade que aquela casa é construída “em cima” da nossa casa em Boliqueime. E o “campo de margaridas” de que se fala na obra era realmente um campo próximo de nossa casa que na Primavera se enchia de flores e para onde às vezes íamos brincar. Mas nunca tive um tio Fernando.
São pontos de referência, são sustentáculos reais que dizem que a história que estamos inventando não é falsa e que tem verosimilhança, que tem pontos de apoio. Mas esta personalidade é inventada, os percursos daquela família não coincidem com os percursos de nenhuma família real.
Na história, a “Instrumentalina” é muito mais do que uma bicicleta. É ao mesmo tempo uma personagem e um símbolo, não é? Afinal, quem é a Instrumentalina?
É isso mesmo que vocês disseram: um objecto que ganha a dimensão de uma personagem, porque tem nome e é amada e odiada como se de uma pessoa se tratasse.
E é também um símbolo. Um símbolo de todas as outras personagens (pessoas) que são instrumentos do sonho, da liberdade, do que fica além.
Como se aperceberam, o importante não é a bicicleta, mas o que ela significa para as crianças, para o tio Fernando e para o avô. Um pouco como a máquina de escrever e a máquina fotográfica.
E porque é que deu um fim tão trágico a essa “personagem”?
Trágico?
Sim… afinal ela “morre” no fundo de uma nora. Acaba partida e sem brilho.
Se pensarmos bem, só o objecto se parte. A personagem que está por trás do objecto mantém-se até ao fim e perdura sobre todos os outros intervenientes.
[Pegando no livro…]
Logo no início do conto, a narradora diz-nos: «No entanto, passados tantos anos, reunida, como se pudesse ter-se mantido unificada pelo tempo, visitava-me [A instrumentalina] rodando sobre o gelo como antigamente acontecia, nos campos de calor e poeira.» e na página seguinte: «A porta de vidro permitia que dali onde me encontrava pudesse ver quem saía e quem entrava, sobretudo quem deixava o chapéu e a gabardine no bengaleiro. A bicicleta longínqua aparecia de perfil, mostrava o brilho dos seus raios girando ao sol, e uma outra luminosidade da Terra aparecia».
O que “morreu” não foi a personagem nem o seu simbolismo. Foi apenas o Instrumento usado porque nessa altura ele já não era preciso. O desejo de liberdade tinha conquistado já a maioridade, a sua autonomia. O que se passou foi que o avô nunca chegou a perceber que maior que o “instrumento” era a vontade, o apelo, a urgência de ir além e de ser livre. Por isso, quando deu ordem para fazer desaparecer a bicicleta, apenas precipitou o desenlace da história.
No conto, aquela menina é impotente, frágil, silenciosa, invisível. Mas no fim, passados 30 anos, é com ela que o tio Fernando se encontra. É um prémio tardio?
Pode entender-se assim!
Mas na verdade a menina nunca foi nem impotente nem invisível. Teve, é certo, uma postura frágil e silenciosa, que se podia confundir com impotência e invisibilidade, mas no fundo o tio Fernando sempre soube que ela estava ali. Foi com ela que privou nos espaços, era ela que o ia acordar à intimidade do quarto, foi ela a escolhida para ir ao campo das margaridas e foi a ela que o tio confidenciou o segredo sobre “uma mulher divina”.
Prefiro ver esse encontro como um reencontro de afectos temporariamente interrompidos, mas que sempre permaneceram. Mais do que um prémio é um retomar de uma linha de vida, é o recomeçar a história.
Consegue escolher o livro ou os livros da sua vida?
É impossível escolher só um. Posso seleccionar três que me marcaram em diferentes fases da minha vida: «Guerra e Paz», de Tolstoi, tinha eu os meus 15 anos; «Nada» da catalã Carmen Laforet, durante o meu período de estudante universitária e, finalmente, «Orlando» de Virginia Wolf, já na minha idade adulta.
Quando nos preparámos para fazer a entrevista imaginada, decidimos que ela seria o mais verosímil possível.
Tratando-se de uma autora contemporânea, muito interventiva nos Media, achámos que poderíamos encontrar algures as respostas para as perguntas que queríamos fazer.
Depois de lermos a obra, e na aula de Português, escrevemos as perguntas que queríamos fazer à autora.
Escolhemos as seguintes perguntas:
Depois partimos à procura das entrevistas dadas pela autora e à procura das respostas que podíamos aproveitar.
Consultámos, entre outras, as seguintes entrevistas:
· Lídia Jorge – Entrevistada por Andreia Azevedo Soares – Colecção Mil Folhas – Jornal Público
· Em entrevista a Ana Sofia Calaça, «A literatura é um desafio perante o desconhecido» - Correio da Manhã/ Revista, Lisboa, 09/07/2000
· Entrevista ao “Ensino Magazine”
· Debate Nacional sobre a Educação - Entrevista a Lídia Jorge
· Entrevista ao Jornal “Algarve Académico”
Depois de termos escolhido as respostas que mais nos serviam, refizemos as perguntas de forma a tudo parecer uma conversa seguida e natural.
Todavia, recordamos:
Se:
gostou...
não gostou...
leu...
lhe foi útil...
acha incompleto...
quer colaborar...
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Ou se apenas:
nos quer dar o aconchego
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